domingo, 26 de junho de 2011

Carta aos Sobreviventes - 21/02/1987



Olá, meu nome é Willian T. Torres e sinceramente não sei se o que estou fazendo vale de alguma coisa, está cada vez mais difícil escrever em meio a esse pandemônio e eu nunca sei se vou conseguir terminar a próxima palavra.
As bombas lá fora continuam a cair e a qualquer instante podemos ser todos mandados pelos ares; há feridos em meu batalhão, faz dois dias que não comemos nada e a reserva de água provavelmente acabará ao alvorecer.
Não faço ideia de quem está lendo esta carta agora, mas sinceramente, eu gostaria que soubesse que Eu te amo, não importa seus feitos e defeitos ou suas obras do passado, Eu te amo. Talvez você não entenda isso agora, talvez você nunca entenda, mas na guerra nós descobrimos que todo ser humano precisa de alguém que o ame de verdade, que segure sua mão e lhe dê um abraço amigo, que te tire da sarjeta e limpe a merda que você fez. Todos nós temos um fardo a carregar e, nfelizmente, não são todos que conhecem El Shadday, e é por isso que se agarram em coisas tão pequenas na vida, mas quando se vê a morte de perto é que você percebe o verdadeiro amor.
Parece até absurdo o que estou fazendo,atrás de mim têm um cara caído, o Thomas, ele foi atingido por um tiro de Ruger Redhawk .44 bem na perna ontem anoite, e ele ainda grita bastante de dor, deve ter rompido muitos ligamentos e os médicos não têm muita esperança de que ele volte a andar. Ao meu lado os soldados engatilham as armas, conferem munições e equipamentos, relembram ordens e pensam na família, e eu aqui escrevendo toda essa merda pra vocês, não parece haver muita glória nisso, mas, de fato não há glória na guerra.
Vocês deviam ver como as pessoas mudam nessas situações, elas se revelam quando pisam no campo de batalha, quando são obrigadas a escolher entre salvar a própria vida ou a vida de seu companheiro, aí vemos seu real valor, vemos quem é amigo ou inimigo. Já me acostumei com o sangue derramado, também tive que me acostumar a derramá-lo, atirar a queima roupa e em inimigos desprevenidos têm se tornado rotina pra mim nesse último mês, e por Deus, queira você nunca precisar fazer isso.
Para que você saiba um pouco sobre nossa missão vou redigir nesta carta, apesar que, creio eu, até um mendigo das ruas de São Paulo sabe o por que estamos aqui.
Somos um batalhão separado do exército brasileiro, treinados única e exclusivamente para caçar e eliminar os "cabeças" que iniciaram os ataques no nosso país, nosso trabalho é, na técnica, fácil, mas quase impossível na prática, mas ninguém se preocupa realmente com isso.
Estamos a um mês em território americano e já tivemos êxito em duas caçadas, o primeiro fora o sargento Sanches ao norte, e o segundo o cientista Jeffrey Wins, e sim, eu ajudei a captura-los, desde que estou aqui meus sentidos foram obrigados a se desenvolver, ás vezes acho que estou louco por que aos poucos eu perco o senso, algumas vezes me peguei em completa fúria no campo de batalha, correndo e atirando em cada filho da puta a minha frente, e é isso o que a guerra faz com as pessoas, tira parte de sua sanidade, mas isso é justo comigo? Foi realmente justo? Ser jogado aos dezesseis anos no campo de batalha em meio a soldados de verdade? Ter de caminhar por mortos e carregar seus túmulos, ter de enterrar corpos e atirar em alguém, não era o futuro que eu tinha para mim, isso não estava nos meus planos.
Mas o perigo estava em nossa porta, eu entendo, os americanos já planejavam um ataque contra as minas brasileiras a um tempo, então tínhamos que surpreendê-los de alguma forma, assim o exército brasileiro foi mandado ao solo americano antes mesmo que eles penassem nessa possibilidade, e como éramos poucos os alistados, e muitos os ineficazes, qualquer garoto de dezesseis anos, que não fosse o único homem da família teria de ser incluso ao exército. Assim eu vim parar aqui, mas não vou mais ficar me lamentando, aliás à muito eu não o fazia, mas melhor ter minha vida arriscada na guerra para salvar a pátria, do que a do meu querido pai, que já está muito velho e doente, ou do meu querido irmão, por nada nesse mundo desejaria que eles tivessem vindo em meu lugar, e sei que se orgulharão da minha morte nestes campos.

O céu está escuro de fumaça lá fora, e Thomas continua gritando, e os soldados ainda fazem suas malas para o próximo ataque, nós vamos para o sul, onde há uma concentração de comida em reserva. Vamos atacar, matar e pilhar o que encontrarmos, Deus tenha misericórdia de nós, pois sairemos pra matar.

Este é apenas um breve relato do que aconteceu desde que chegamos aqui, a guerra está apenas no começo e muito sangue ainda vai ser derramado, acho que verei muitos amigos morrer e muitos nos matarem com um punhal nas costas, mas isto é guerra, isto é guerrear e como já disse não vouficar me lamentando. Eu sou Willian Torres, escrevendo de território americano para dizer que, Eu te amo.

3 comentários:

  1. O tema me surpreendeu! Não imaginava que daria pra criar um conto tão bom assim!
    Parabens!

    ResponderExcluir
  2. Bom conto! A ideia de escrever uma carta foi boa, Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Muito bem, Guilherme!
    A sacada com a carta realmente foi muito interessante, sem contar que você conseguiu expressar legal a agonia do personagem. Parabéns =D

    ResponderExcluir