segunda-feira, 18 de julho de 2011

O Sabor Amargo do Amor

  Amor. Há quem dúvida que ele exista, há quem procura provas para acreditar e há aqueles que simplesmente amam incondicionalmente. Junto do amor, vêm também as promessas, as juras, as carícias, o êxtase. As vezes nós referimos ao amor com uma chama, um fogo. O fogo aquece, e precisa se manter vivo para continuar aquecendo, ele precisa ser alimentado: mas nada garante que algum dia esse fogo se enfureça e devaste tudo o que um dia ele aqueceu.
Pablo era um jovem-adulto careta e sonhador. Nunca usara drogas, nunca havia inalado fumaça alguma se não a de seu inalador: ficava doente com muita facilidade. Era romântico, planejava um único romance para o resto da vida. Ele pensava que nunca iria conseguir mulher alguma usando aquele cabelo mal repartido e aquelas jeans surradas; por sorte, ele estava errado.
Natália teve muitas decepções amorosas, sendo a mais recente com seu ex-namorado motoqueiro. Pegar o amor da sua vida transando com a sua irmã não é uma coisa muito agradável. Ela o amava, de verdade. Ele também dizia que amava-a. Bem, ele mentiu. Decepções a parte, Natália sempre guardava suas mágoas por debaixo do sobretudo negro; era melhor que tudo ficasse guardado ali. A menina de cabelo roxo chamava bastante atenção quando desfilava pelas ruas, muitas mulheres mais reservadas repugnavam tal visual e ofendiam Natália. Sua língua afiadíssima e sua inteligência deixavam as madames arrependidas de algum dia terem feito alguma crítica ao seu cabelo.
Pablo e Natália. Natália e Pablo. Seja por obra do acaso, seja por obra do destino, os dois estavam no mesmo bar, naquela mesma noite. O bar Sóbrios e Sombrios tentava fazer jus ao seu nome: ambiente escuro e com poucas luzes; sombras bem elaboradas nas mesas de sinuca; muita gente bêbada vomitando no banheiro (e uma fila enorme esperando sua vez para vomitar também); Pablo não tinha ideia do que fazia ali:
– Aqui tem fliperama?
Natália tinha toda a certeza do mundo:
– Hoje eu quero encher a cara.
Pablo achou um fliperama escondido em um canto escuro do barzinho, e então foi no balcão pedir uma ficha.
– Ei cara, quanto é a ficha daquele fliperama? Me vê umas duas! – pediu ao
barman.
Aquela porcaria é tão velha que nem funciona mais, filho. Se eu fosse você, comprava uma pinga ao invés disso. – disse o barman, já preparando a dose.
– Concordo com o moço – se intrometeu Natália, já não muito sóbria. – Uma ficha não substitui a magnitude de uma pinga bem tomada!
O moço do cabelo mal repartido riu e enfim, aceitou tomar aquela dose. Se apresentou para Natália, e a moça retribuiu a apresentação. Horas e horas de conversas, altas doses e muitos risos. Ou a visão de Pablo que estava muito ruim, ou as pessoas realmente tinham desaparecido do bar. Pensou que tinha que ir embora também, mas Natália o lembrou de que era um bar 24 horas. Pararam de beber. Natália lançou um sorriso malicioso e com um pouco de dificuldade, se levantou e cochichou algo no ouvido de Pablo; ele ficou meio atônito, pensativo, mas logo os dois estavam indo em direção do fliperama, de mãos dadas e cambaleando.
– Você já fez isso antes? – indagou Natália, enquanto abaixava as calças.
– Na-na-não... mas já vi em filmes, não deve ser muito diferente, né? – respondeu Pablo nervoso, lutando para tirar seu cinto.
Natália soltou um riso abafado, mas não riu mais com medo de vomitar. Pablo havia acabado de assinar seu atestado de virgindade.
…...

Dias, meses e anos se passaram; Pablo e Natália continuavam juntos. Como eles podiam ser tão diferentes, mas tão iguais? De onde vinha aquele amor forte e arrebatador que os prendiam naquele romance por tanto tempo? Nenhum dos dois sabia de onde vinha aquele fogo; mas eles gostavam. E muito.
– Ei Naty, eu tava aqui pensando... – disse Pablo.
– Pensando em quê, amor? – perguntou Natália, parando de lixar suas unhas.
– Eu não conseguiria viver sem você, sério mesmo. – respondeu.
Você sabe que eu também não viveria sem você, e que eu não gosto falar nisso. E você sabe que só tem uma coisa que pode separar a gente, não sabe? Então. – falou Natália, com a voz levemente tristonha
– Eu sei amor, eu sei. A morte seria a única e exclusiva culpada. – afirmou Pablo. – Eu quero lhe fazer uma proposta.
– Uma proposta? Que tipo de proposta? – disse Natália, levantando uma de suas sobrancelhas.
– Não é bem uma proposta, é mais uma promessa. Um juramento. – Pablo respirou fundo. – Quero que você prometa que, se algum de nós dois morrer, o outro tem que morrer junto.
O silêncio atacou brutalmente a sala. Só se ouvia a respiração ofegante de Natália. Só se via o olhar de apreensão de Pablo. Natália então deu sinal de vida:
– Mas amor...
– Você acha que não seria capaz de se matar caso eu morresse primeiro? Ou você não quer mesmo aceitar a minha proposta? – questionou Pablo.
– Não é isso, é que... nossa, eu não esperava por uma coisa dessas. Desde quando você já vinha pensando nisso?
– Desde quando eu comprei isso:
Pablo tirou do bolso dois fracos de algo que aparentava ser veneno. Escrito com uma caneta hidrográfica, havia o nome de cada um nos frascos.
– Esse eu bebo caso você morra. – Ergueu o frasco contendo o seu nome. – Esse você bebe caso eu morra. – E estendeu o braço para que sua amada pegasse o frasco com o nome Natália.
Natália relutou em pegar; ficou indecisa. Mas, eles já haviam feito tantas promessas, eles se amavam tanto...
– Espero que nenhum de nós dois tenhamos que tomar isso, senhor Pablo. – disse Natália, dando um leve sorriso e pegando o frasco.
– Ah é, senhorita? E como você espera que nenhum de nós deixe de tomar o veneno? Vamos viver para sempre? – caçoou Pablo.
– Não, mas vamos viver juntos até a velhice, e vamos morrer dormindo, abraçadinhos. – Falou Natália, segurando a mão de Pablo.
Os dois se beijaram e logo partiram para os amassos. Não demorou muito até que os dois estivessem fazendo sexo ali mesmo, em cima do sofá. Pablo sentiu mais uma vez aqueles lábios quentes, aquela pele de Natália que se arrepiava toda ao sentir sussurros em seu ouvido. Ele parou e deitou a cabeça nos seios da mulher de cabelo roxo, só para ouvir seu coração bater. Aquela foi uma longa batida e também uma longa noite.
5 meses se passaram e Pablo havia arrumado um novo emprego: uma amiga de Natália que indicou. O rapaz se arrumou para mais um dia de trabalho, mas justo naquela sexta-feira ele estava atrasado. Justo naquela sexta.
– Pablo, eu preciso conversar sério com você... – falou Natália, sonolenta e se arrumando na camisola.
– Amor, agora não dá tempo, eu tô atrasado pro serviço! Hoje eu entro cedo e saio tarde, se esqueceu? Depois você me fala! – disse Pablo as pressas; beijou a amada e seguiu rumo ao trabalho.
Trânsito caótico. Atraso. Sexta-feira de merda.
Estacionado o carro, Pablo subiu para a sua sala e é claro, teve que dar satisfações ao chefe. Por sorte, hoje ele estava de bom humor e nada de ruim aconteceu. Até agora.
Sandra, a amiga de Natália que havia indicado o emprego para Pablo, saiu de sua sala e foi conversar com ele.
– Chegou atrasado, Pablito? – disse Sandra, com uma mão apoiada nas costas de Pablo.
– Sim, nossa, o maldito relógio não despertou! – respondeu Pablo, exaltado.
– Bem, só vim te dar os parabéns! – avisou a moça.
– Parabéns? Pelo o quê? – perguntou Pablo, confuso.
– Ué, a Natália não te contou? Ela está grávida, parabéns papai!
O mundo de Pablo parou. Um filho era uma das coisas que ele sempre quis. Um filho com a Natália era algo simplesmente incrível.

– Meu Deus! Então era isso que ela queria me contar!? – Pablo se levantou imediatamente da sua cadeira e desceu correndo para o estacionamento. – Eu tenho que ver ela!
Ele não se importou com o chefe gritando. Ele não se importou em perder o emprego. Ele apenas seguiu suas emoções.
– O que você falou pra ele, Sandra? Porra, eu precisava dele aqui! – gritou o chefe, estressado.
– Eu só disse parte da verdade. O resto ele descobre quando chegar em casa.
Dessa vez não havia muito trânsito, ou Pablo que não havia prestado atenção; estava muito eufórico. Ao chegar em casa, percebeu a presença de uma possível visita. Uma moto estacionada? De quem? A pergunta estava bem atrás da porta da casa de Pablo. Então ele abriu-a.
– Mas o que....
Seus olhos não acreditavam no que estava vendo. O amor da sua vida bem ali, na sua frente, transando com o antigo ex-namorado. A familiar frase ecoou pelos cômodos:
– Eu posso explicar!
A raiva ardeu no coração de Pablo. Aquele fogo da paixão já não queimava para aquecer o coração apaixonado. Ele queimava para destruir. Pablo pegou o objeto mais afiado que encontrou na sua frente e pulou em cima do motoqueiro filho da puta, desferindo um golpe certeiro bem no meio da sua garganta. Esmurrava os seus dentes, empurrava ainda mais o objeto goela a baixo. Puxou-o para o peito e rasgou-o todo. Natália tentou fugir, mas foi segurada pelo braço. Levou uma pancada no meio da sua testa, ficou desnorteada e caiu.
– Eu te amei tanto, sua vadia.... como você pôde? Eu confiei em você! Puta merda, eu sempre confiei em você! Sabe por que eu não te mato agora? Por causa do nosso maldito filho! – Pablo desabou em lágrimas.
– Pa-Pablo... esse filho... esse filho não é nosso... – cochichou Natália, com sua pouca força.
Pablo mais uma vez, não acreditou. Teve um ataque de risos. Teve um ataque de fúria. Apunhalou Natália no peito, até não ter mais forças. Limpou as lágrimas e olhou para a estante. Pegou o frasco que continha seu nome, abriu e bebeu-o. Foi até o sofá, vasculhou o antigo sobretudo de Natália e bebeu o seu frasco também. Se sentiu mal. Tinha agora um sabor amargo na boca. Estava perdendo as forças, só conseguiu deitar sobre aquela que costumava ser sua amada. Não ouvia mais seu coração, seus lábios agora estavam frios como o gelo e não havia mais nenhuma reação ao sussurrar coisas no ouvido dela.
– Eu te amei demais, Natália, mais do que um dia eu achava que ia amar alguém. Mas ao menos, ainda estamos juntos, não é mesmo? Ou pelo menos vamos estar juntos daqui alguns minutos. Espero que lá não seja tão ruim assim....
A espuma descia pela boca de Pablo, sujando ainda mais o corpo de Natália. O fogo do amor ficou novamente descontrolado e acabou queimando muita coisa. O fogo do amor já havia se apagado, mas aquele sabor amargo iria continuar na boca de Pablo. Para sempre.

sábado, 9 de julho de 2011

O Inverno da Alma

A noite se prolongou uma eternidade, mas enfim terminou. Logo pelo primeiro raio de sol os habitantes decidiram sair de suas tocas. Os primeiros a saírem chamaram seus vizinhos que chamaram outros vizinhos, e assim sucessivamente. Na praça central, corpos mutilados e poças de sangue, coloriam macabramente a neve. Nenhum sinal das pessoas possuídas. Várias casas ainda ardiam em chamas. Os poucos moradores que não partiram, ficaram e começrama a retirar os corpos mutilados. Aquele céu nublado ão deixava o sol aquecer as pessoas. Alguns homens da milícia fizeram uma varredura ao redor da vila de Chayman. Ao menos todos eram homens corajosos durante o dia. Caminharam a manhã inteira sem nenhuma sinal do que procuravam.
Agradeceram.
Então no de decorrer do dia, um funeral digno foi realizado para o Padre Louis V e a família do Lorde Hector Baharin. Todos puderam notar os mesmo ferimentos em todos os corpos mortos, mordias ferozes e corpos secos de sangue. O jovem Leonel Baharin fora o único da família do Lorde a não ser localizado. Na mansão onde residiam os senhores de Chayman, havia morte impregnada em cada comodo, em cada peça da mobilia. Não foi difícil deduzir que nós os Baharin haviamos sido os primeiros a serem massacrados, afinal, a cidade era precedida por toda extensão de terras de meu pai.
Bardos e escribas vieram de todas as partes, buscando explicações e informações. No fim, o cavaleiro Gerrard Wilhelmus, assumiu o controle de Chayman. Disse abertamente a quem pudesse ouvir que o incidente tinha sido fruto de um grupo de assasinos e insanos. Gerrard arremessou a culpa dos assassinatos sobre os temíveis Cavelrios da Morte, um grupo mercenário procurado por todos os reinos. Assim a mentira, abastecera a cidade de um fama almejada, vários jornalistas de lugares longíquos viajaram novamente até Chayman, para se informarem sobre o caso e delatar a noticia a seus respectivos Lordes, seguindo até o Rei. Ninguém acreditaria na existência de criaturas além da criação divina.
O frio avassalador assolava toda a vila. Passado exatamente sete dias, meu corpo fora encontrado em uma caverna escura e mais fria do que a neve vinda do céu. Fui o último a ser velado.
Durante toda a cerimônia, de alguma forma ainda possuía o sentido da audição. Podia ouvir e alem disso, conseguia sentir, também possuía o tato, estranhei, mas talvez fosse meu espírito presente na despedida final. Atento prestava atenção nas lamentações da pessoas que compareciam ao funeral. Uma sensação estranha não enxergar, apenas ouvir e sentir. Um mal estar se apossou de mim quando senti uma mão em meu tórax, e uma singela lágrima tocando minha face, entrei em desespero. Tentei me mexer, mas não conseguia, queria gritar, talvez ainda houvesse um resquício de vida em mim. Talvez apenas estivesse adormecido. Eu sentia a tristeza das pessoas em relação a mim, milhares de vozes iam e vinham. dentro do que eu julgava ser minha mente atordoada e confusa demais.
- Nossa que tragédia! - exclamou outra mulher - nos marcará para sempre.

Eram vozes que não se calavam um instante, aquilo aos poucos tornou-se um inferno. Talvez por algum ato profano cometido por mim, eu estaria destinado a danação eterna. Ansiava me levantar e provar a mim e aos outros que não havia morrido, mostrar a todos que eu havia sobrevivido, ver a alegria nos rostos das pessoas por este milagre. Tão angustiado, preso em meu próprio pensamento. Uma ardência se alastrou por meu corpo, com o passar do tempo, aquela ardência aumentava, era como se meu sangue fervesse e eu estivesse imerso em chamas. Tentava me movimentar, como antes, era inútil tentar. Eu gritava e suplicava por ajuda, as vozes, meu corpo em sendo consumido por chamas invisíveis, sentia minha alma aprisionada em um inferno pessoal, queria abrir os olhos ver a luz tocarem minha pupilas, totalmente impossível. As vozes aumentavam em quantidade e potencia, já era capaz de distinguir as falas, meu corpo estava prestes a explodir.
Apaguei.
Embora não me lembrasse por quanto tempo. Tive a sensação de abrir os olhos, apenas observei a escuridão, tinha minha visão e mais, conseguia controlar meu corpo novamente. Ao tocar-me senti minha pele gélida como as águas naquelas noites de inverno. O local onde eu repousava era demasiadamente apertado. Porém, me sentia extremamente confortável. Eu estava vivo. Bati com as mãos na tampa que cobria meu corpo, selando o caixão. Entrei em completo desespero, lembrei do que havia ocorrido. Tentei com todas as minha forças forçar a tampa, em vão.
Enterrado vivo.
Meu corpo jazia a sete palmos embaixo da terra. Pânico. Eu gritava, esperneava, mas ninguém podia me ajudar, fato, mesmo assim continuava. Subitamente parei e notei que meu pulmões não necessitavam do ar, caso contrario, já teria sentido sua ausência após o esforço acometido. Juntei todas as peças do quebra cabeça no qual me tornara parte. Corpo gélido, não precisava transportar ar aos meus pulmões, sentia um bem estar insano de estar enterrado, apesar dos momentos de angustia. Uma personalidade instável, hora bem, hora mal.
Morto e vivo.
Devo ter enlouquecido e estar rumando ao paraíso ou ao inferno. Parei por um instante, concentrei-me, tinha que descobrir o que ocorrera comigo, tinha que ser frio o suficiente. Voltei a socar novamente a tampa acima de mim. Senti ela se desfarelar em meus punhos, continuei, logo senti a terra, me determinei a sair. Incessantemente, incansavelmente. Sem hesitar abria um caminho para a liberdade ainda pensando as coisas bizarras que haviam ocorrido comigo. Estranhei em não sentir dó, nem amor, ao pensar nos meus familiares. Abandonei tais pensametos e continuei a chocar meu punhos contra a terra batida, minha mãos estavam esfoladas, mas não sangravam. Finalmente, em um ultimo golpe, pude sentir as gotas me tocarem, chuva. Aos gritos, fui alargando a passagem me sentindo onipotente ao ver o céu escuro e notar que era noite, consegui escapar de minha própria cova, estava livre, forte, invencível, sujo, podre e com sede.
Vivo e morto.
Olhei para a lápide a minha frente, li meu nome. Chutei-a ate derrubá-la, não estava enterrado, não precisava de lápide. A tempestade me alegrou, tentei de me arrumar o melhor possível, para me reapresentar a cidade. Quando ouvi um berro estridente, ao olhar para trás, vi uma bela garota com flores amarelas nas mãos, traje de luto. Eu a reconheci.
Aline.
A minha doce amada, não conseguir ficar feliz em vê-la. nem ter o alivio de ter alguém que me amou ou ainda ama por pert. Um olhar incrédulo para mim, e sua doce voz embargada em tristeza disse:
- Leonel!?
- Aline...- eu não sabia o que dizer.
- Querido, como está vivo? Todo nós sabemos!
- Eu não sei - disse – me abrace! - foi o que consegui dizer, sem emoção alguma.
Sem demora ela largou as flores e veio até mim. Lentamente, senti fome, algo repuxava meu estomago, queria algo que nunca tinha provado antes. Quando ela chegou até mim enfim pude sentir seu abraço, senti também um certo nojo dela, seu pescoço me tirou a atenção. Minha reação foi apenas morde-la. Senti meus dentes caninos crescerem e afundei as pontas agudas e afiadas, na carne macia de Aline. Abracei-a fortemente e a mordi com voracidade. Ela gritou. Tentou se desvencilhar, escapar do meu abraço de morte, mas em vão. Eu era muito mais forte que ela, senti o gosto do liquido rubro espirrar aos jatos em meus lábios, caindo sobre minha língua, era um sabor incomparável. Quanto mais ingeria, mais sangue eu desejava para mim. Pude saber sobre seus sentimentos, vislumbrar os momentos felizes de sua vida, a chuva escorria sobre nossas cabeças e o sangue de Aline escorria entre meu paladar.
Enfim pensei achar estar satisfeito e arremessei seu corpo longe, de encontro com uma arvore. Caiu em um baque forte sem som, percebi que ela ainda se movia e pelas mordidas entre a carne de seu pescoço, notei o sangue se perder em encontro a terra molhada, ainda não estava satisfeito. Corri ate ela e a segurei novamente, recomecei a profanar sua carne. Era como se não existisse nada além daquilo, nada além de sangue. Finalmente, após algum tempo, o sangue de seu corpo já não era farto. Arremessei novamente o corpo de Aline, como uma criança que ganha um brinquedo novo e substitui o antigo. Olhei por alguns instantes para ela, com o sangue a me escorrer por toda face e roupa, como ela era frágil. Não senti nojo, apenas senti que eu era um monstro que não podia lutar contra aquilo, contra o que eu tinha me tornado. Aline tocou meus pés e me fitou com um último espasmo de vida.
- Que Deus te proteja, Leonel.
Deus?
Pensei, não sei se já acreditava em sua existência, afinal eu me tornara um monstro sugador de sangue. Se Deus existir, de alguma forma iria me ajudar nem que fosse me destruindo.

A carne gélida de meu rosto estava em cinzas e ardia como se eu estivesse emerso em chamas, calmamente me aproximei de algum ponto de luz solar. Com a mão direita aos poucos fui avançando, quando a força do astro me tocou, em segundos, minha mão direita não era nada mais que cinzas. Eu iria até o fim, precisava saber mais sobre meu recém descoberto ponto fraco, suportei a dor. Após tirar a mão do raio de luz, observei que não doía mais, mas, eu estava sem a mão. Um pedaço de carne carbonizada, apenas isso. Entendi que só poderia estar livre, para ser invencível ao crepuscúlo. Era uma sensação nova. Reinaria em Chayman, a cidade em que o inverno nunca acaba. Eu seria um Lorde vampiro.
Essa era uma sensação boa.

sábado, 2 de julho de 2011

Sobre os contos

Saudações Trovadores,
 
Os quatro primeiros contos foram publicados.
 
Como funciona?
A pessoa escolhida pra escrever o conto da semana pode escolher um entre os temas abaixo, eliminando-o para a semana seguinte, onde restarão três temas para três autores, e assim o próximo autor escolhe outro tema, até sobrar um tema pro último autor, compreendes?
Ao final do ciclo, os quatro autores terão escrito quatro contos cada um seguindo os temas propostos. 
Os temas propostos foram:



- Terror
Deverá conter: Criaturas ou atos sobrenaturais
 
- Guerra
Deverá conter: Armas Bélicas, se passar em lugares não fictícios

- Romance
Deverá conter: Época Medieval - Fictícia ou Não

- Fantasia
Deverá conter: História fantástica.

A intenção?

Levar prazer e diversão aos leitores e o mais importante, explorar a criatividade dos autores.
Em breve inciará a segunda rodada dos contos. Como diz Optimus Prime: "Vamos rodar".

O Escriba
 

Sophia e o Amor Infernal

Ninguém para uma garota que sabe o que quer, e com Sophia a regra não poderia ser diferente.
 O reino de Quinospera era só um reino como todos os outros, nada de especial. Neste reino se localizava o pequeno feudo de Aldebran, que também era mais um feudo sem nada de especial:
suas terras eram férteis, seus campos eram altos e floridos, as árvores tortuosas preenchiam os bosques negros com um toque ainda mais sombrio. O catolicismo predominava fortemente entre os habitantes de Quinospera, todos eram devotos totalmente fiéis. Todos os devotos acreditavam na fé e em milagres. Todos os habitantes eram assim, com exceção apenas de uma adolescente chamada Sophia Ketrey.
  Rachel, era a mãe de Sophia e ia às catedrais todos os dias para rezar pelo seu marido, que havia sido chamado para participar das temidas Cruzadas, as batalhas sangrentas que aterrorizavam até mesmo o guerreiro mais forte e confiante do reino. Força, habilidade e sorte eram atributos mais do que necessários nas batalhas, mas Rachel tinha certeza de que suas orações ajudariam o marido à decepar alguns membros dos inimigos. Sophia era um pouco rebelde e acompanhava sua mãe nas rezas não porque estava interessada no sucesso do seu pai nas batalhas, muito menos no arcebispo falando sem parar. A bela jovem loira, com seus cabelos que cobriam delicadamente parte de seu rosto, sua pele sedosa e sua personalidade forte, Sophia destacava-se de todas as outras garotas e mulheres de Aldebran, não só pelos seus atributos, mas sim pelo seu estranho e secreto desejo: conhecer o Diabo.
  Por ser uma catedral grande e muito famosa, muitos fiéis buscavam ajuda para possessões demoníacas ali. Era disso que Sophia gostava. Toda semana ao menos um ritual de “exorcismo” era executado. Sophia vibrava por dentro ao ouvir aquela voz grave e distorcida, aquele cheiro de enxofre preenchendo seus pulmões. Ela não só queria conhecer o Diabo, como também já havia pego uma certa simpatia por ele: lendo seus livros religiosos, Sophia descobriu que Lúcifer havia sido expulso do Paraíso por não gostar dos humanos, e ela achou isso ótimo – pois também não gostava deles.
  “Guerras feitas por causas inúteis, egoismo, prostituição e tudo mais. Ele está certo em não gostar dessa raça imunda!” – Pensava a garota consigo mesma.
  Ela tinha certo receio por causa dessa descoberta, pois pensou um pouco e lembrou que ela era uma humana. Ela pertencia a esta raça imunda. Ela parecia não ter chance alguma com o anjo caído, mas quis tentar mesmo assim.
  A missa de domingo sempre era a mais lotada e também a que guardava mais surpresas, e Sophia pensou em se aproveitar de umas dessas surpresas, já tendo um plano em mente: invocar o Senhor das Trevas para uma conversa particular.
  O padre deu então início a missa. Os feixes de luz atravessavam o belo e imenso vitral localizado logo acima do altar, iluminando os olhos já brilhantes de todos os devotos presentes. Como um ataque súbito, Sophia se levantou, saiu de perto da sua mãe e seguiu para o altar, fazendo todos aqueles olhos brilhantes se voltarem para ela. O padre parou e fitou-a com um olhar de autoridade. Sophia simplesmente ignorou-o, e começou a vociferar palavras em latim, as quais provavelmente havia aprendido lendo os livros antigos que ela tanto adorava. Aquele olhar idoso, cansado e assustado, aos poucos foi dando lugar ao olhar pesado, atormentador, obscuro e demoníaco. Aquele não era mais o padre, aquele era Lúcifer – ou ao menos a sua alma vestida com alguns trapos.
  Sophia se ajoelhou e chorou como uma criança. Teve medo, mas sentiu algo ficar mais forte dentro dela. Seu coração palpitava, se debatia, chamava alguém. A garota dos cabelos dourados percebeu que Lúcifer se aproximava lentamente, ignorando todos os gritos e tentativas de exorcismo que vinham da Plateia da Fé. O coração de Sophia chacoalhava mais forte do que antes, mas aos poucos ela foi entendendo o que se passava. Bastou só um sussurro do demônio em seus ouvidos, e Sophia já sabia o que sentia, já sabia o que fazer. Se pôs de pé, abraçou sua invocação e em seguida se pôs de frente ao público desesperado que ainda permanecia na catedral. Pensou um instante; pensou no seu pai batalhando nas Cruzadas; pensou na sua mãe, sempre preocupada demais; pensou naquele mundo cheio de injustiça, dor e sofrimento. Seu pensamento então deu lugar à palavras em latim, e mais uma vez o seu feitiço começou a surtir efeito.
  A catedral então ardeu em chamas, devastando todos que estavam lá dentro. Gritos, berros, estalos. Churrasco. Sophia sorria, sorria como nunca havia sorrido antes. Lúcifer sorriu também, e com motivo: a garota havia condenado muitas almas, logo mais escravos espirituais apareceriam no Inferno. Sim, é claro que ela sabia o que tinha feito, mas ela fez o que fez por amor. Sophia se apaixonou por Lúcifer, e teve certeza disso a partir do momento em que seus olhos se encontraram. Humanos as vezes são sujos, imprevisíveis e assustadores. Humanos apaixonados são piores ainda. Ninguém parou Sophia; e nem poderia. Ninguém para uma garota que sabe o que quer, e com Sophia não foi diferente. Ela queria um amor eterno... e conseguiu. Ela conquistou o seu amor infernal e surreal, mesmo isso lhe custando a sua alma e a de muitos outros que ali estavam presentes.
  Vitoriosos, os guerreiros de Aldebran retornavam da Cruzada. O grupo da frente estava sendo liderado pelo pai de Sophia. Os gritos e brados de vitória se transformaram em urros abafados de desespero quando os guerreiros se deram conta de que, lá no horizonte, o feudo inteiro estava sendo consumido por um enorme incêndio. Atravessaram mais que depressa os bosques escuros, mas de nada adiantaria a pressa. Não havia mais nada que pudesse ser salvo em Aldebran.
  O fogo na catedral queimou um pouco mais, e o mais novo casal das Profundezas dançava uma valsa, enquanto tudo se perdia em cinzas.