sábado, 9 de julho de 2011

O Inverno da Alma

A noite se prolongou uma eternidade, mas enfim terminou. Logo pelo primeiro raio de sol os habitantes decidiram sair de suas tocas. Os primeiros a saírem chamaram seus vizinhos que chamaram outros vizinhos, e assim sucessivamente. Na praça central, corpos mutilados e poças de sangue, coloriam macabramente a neve. Nenhum sinal das pessoas possuídas. Várias casas ainda ardiam em chamas. Os poucos moradores que não partiram, ficaram e começrama a retirar os corpos mutilados. Aquele céu nublado ão deixava o sol aquecer as pessoas. Alguns homens da milícia fizeram uma varredura ao redor da vila de Chayman. Ao menos todos eram homens corajosos durante o dia. Caminharam a manhã inteira sem nenhuma sinal do que procuravam.
Agradeceram.
Então no de decorrer do dia, um funeral digno foi realizado para o Padre Louis V e a família do Lorde Hector Baharin. Todos puderam notar os mesmo ferimentos em todos os corpos mortos, mordias ferozes e corpos secos de sangue. O jovem Leonel Baharin fora o único da família do Lorde a não ser localizado. Na mansão onde residiam os senhores de Chayman, havia morte impregnada em cada comodo, em cada peça da mobilia. Não foi difícil deduzir que nós os Baharin haviamos sido os primeiros a serem massacrados, afinal, a cidade era precedida por toda extensão de terras de meu pai.
Bardos e escribas vieram de todas as partes, buscando explicações e informações. No fim, o cavaleiro Gerrard Wilhelmus, assumiu o controle de Chayman. Disse abertamente a quem pudesse ouvir que o incidente tinha sido fruto de um grupo de assasinos e insanos. Gerrard arremessou a culpa dos assassinatos sobre os temíveis Cavelrios da Morte, um grupo mercenário procurado por todos os reinos. Assim a mentira, abastecera a cidade de um fama almejada, vários jornalistas de lugares longíquos viajaram novamente até Chayman, para se informarem sobre o caso e delatar a noticia a seus respectivos Lordes, seguindo até o Rei. Ninguém acreditaria na existência de criaturas além da criação divina.
O frio avassalador assolava toda a vila. Passado exatamente sete dias, meu corpo fora encontrado em uma caverna escura e mais fria do que a neve vinda do céu. Fui o último a ser velado.
Durante toda a cerimônia, de alguma forma ainda possuía o sentido da audição. Podia ouvir e alem disso, conseguia sentir, também possuía o tato, estranhei, mas talvez fosse meu espírito presente na despedida final. Atento prestava atenção nas lamentações da pessoas que compareciam ao funeral. Uma sensação estranha não enxergar, apenas ouvir e sentir. Um mal estar se apossou de mim quando senti uma mão em meu tórax, e uma singela lágrima tocando minha face, entrei em desespero. Tentei me mexer, mas não conseguia, queria gritar, talvez ainda houvesse um resquício de vida em mim. Talvez apenas estivesse adormecido. Eu sentia a tristeza das pessoas em relação a mim, milhares de vozes iam e vinham. dentro do que eu julgava ser minha mente atordoada e confusa demais.
- Nossa que tragédia! - exclamou outra mulher - nos marcará para sempre.

Eram vozes que não se calavam um instante, aquilo aos poucos tornou-se um inferno. Talvez por algum ato profano cometido por mim, eu estaria destinado a danação eterna. Ansiava me levantar e provar a mim e aos outros que não havia morrido, mostrar a todos que eu havia sobrevivido, ver a alegria nos rostos das pessoas por este milagre. Tão angustiado, preso em meu próprio pensamento. Uma ardência se alastrou por meu corpo, com o passar do tempo, aquela ardência aumentava, era como se meu sangue fervesse e eu estivesse imerso em chamas. Tentava me movimentar, como antes, era inútil tentar. Eu gritava e suplicava por ajuda, as vozes, meu corpo em sendo consumido por chamas invisíveis, sentia minha alma aprisionada em um inferno pessoal, queria abrir os olhos ver a luz tocarem minha pupilas, totalmente impossível. As vozes aumentavam em quantidade e potencia, já era capaz de distinguir as falas, meu corpo estava prestes a explodir.
Apaguei.
Embora não me lembrasse por quanto tempo. Tive a sensação de abrir os olhos, apenas observei a escuridão, tinha minha visão e mais, conseguia controlar meu corpo novamente. Ao tocar-me senti minha pele gélida como as águas naquelas noites de inverno. O local onde eu repousava era demasiadamente apertado. Porém, me sentia extremamente confortável. Eu estava vivo. Bati com as mãos na tampa que cobria meu corpo, selando o caixão. Entrei em completo desespero, lembrei do que havia ocorrido. Tentei com todas as minha forças forçar a tampa, em vão.
Enterrado vivo.
Meu corpo jazia a sete palmos embaixo da terra. Pânico. Eu gritava, esperneava, mas ninguém podia me ajudar, fato, mesmo assim continuava. Subitamente parei e notei que meu pulmões não necessitavam do ar, caso contrario, já teria sentido sua ausência após o esforço acometido. Juntei todas as peças do quebra cabeça no qual me tornara parte. Corpo gélido, não precisava transportar ar aos meus pulmões, sentia um bem estar insano de estar enterrado, apesar dos momentos de angustia. Uma personalidade instável, hora bem, hora mal.
Morto e vivo.
Devo ter enlouquecido e estar rumando ao paraíso ou ao inferno. Parei por um instante, concentrei-me, tinha que descobrir o que ocorrera comigo, tinha que ser frio o suficiente. Voltei a socar novamente a tampa acima de mim. Senti ela se desfarelar em meus punhos, continuei, logo senti a terra, me determinei a sair. Incessantemente, incansavelmente. Sem hesitar abria um caminho para a liberdade ainda pensando as coisas bizarras que haviam ocorrido comigo. Estranhei em não sentir dó, nem amor, ao pensar nos meus familiares. Abandonei tais pensametos e continuei a chocar meu punhos contra a terra batida, minha mãos estavam esfoladas, mas não sangravam. Finalmente, em um ultimo golpe, pude sentir as gotas me tocarem, chuva. Aos gritos, fui alargando a passagem me sentindo onipotente ao ver o céu escuro e notar que era noite, consegui escapar de minha própria cova, estava livre, forte, invencível, sujo, podre e com sede.
Vivo e morto.
Olhei para a lápide a minha frente, li meu nome. Chutei-a ate derrubá-la, não estava enterrado, não precisava de lápide. A tempestade me alegrou, tentei de me arrumar o melhor possível, para me reapresentar a cidade. Quando ouvi um berro estridente, ao olhar para trás, vi uma bela garota com flores amarelas nas mãos, traje de luto. Eu a reconheci.
Aline.
A minha doce amada, não conseguir ficar feliz em vê-la. nem ter o alivio de ter alguém que me amou ou ainda ama por pert. Um olhar incrédulo para mim, e sua doce voz embargada em tristeza disse:
- Leonel!?
- Aline...- eu não sabia o que dizer.
- Querido, como está vivo? Todo nós sabemos!
- Eu não sei - disse – me abrace! - foi o que consegui dizer, sem emoção alguma.
Sem demora ela largou as flores e veio até mim. Lentamente, senti fome, algo repuxava meu estomago, queria algo que nunca tinha provado antes. Quando ela chegou até mim enfim pude sentir seu abraço, senti também um certo nojo dela, seu pescoço me tirou a atenção. Minha reação foi apenas morde-la. Senti meus dentes caninos crescerem e afundei as pontas agudas e afiadas, na carne macia de Aline. Abracei-a fortemente e a mordi com voracidade. Ela gritou. Tentou se desvencilhar, escapar do meu abraço de morte, mas em vão. Eu era muito mais forte que ela, senti o gosto do liquido rubro espirrar aos jatos em meus lábios, caindo sobre minha língua, era um sabor incomparável. Quanto mais ingeria, mais sangue eu desejava para mim. Pude saber sobre seus sentimentos, vislumbrar os momentos felizes de sua vida, a chuva escorria sobre nossas cabeças e o sangue de Aline escorria entre meu paladar.
Enfim pensei achar estar satisfeito e arremessei seu corpo longe, de encontro com uma arvore. Caiu em um baque forte sem som, percebi que ela ainda se movia e pelas mordidas entre a carne de seu pescoço, notei o sangue se perder em encontro a terra molhada, ainda não estava satisfeito. Corri ate ela e a segurei novamente, recomecei a profanar sua carne. Era como se não existisse nada além daquilo, nada além de sangue. Finalmente, após algum tempo, o sangue de seu corpo já não era farto. Arremessei novamente o corpo de Aline, como uma criança que ganha um brinquedo novo e substitui o antigo. Olhei por alguns instantes para ela, com o sangue a me escorrer por toda face e roupa, como ela era frágil. Não senti nojo, apenas senti que eu era um monstro que não podia lutar contra aquilo, contra o que eu tinha me tornado. Aline tocou meus pés e me fitou com um último espasmo de vida.
- Que Deus te proteja, Leonel.
Deus?
Pensei, não sei se já acreditava em sua existência, afinal eu me tornara um monstro sugador de sangue. Se Deus existir, de alguma forma iria me ajudar nem que fosse me destruindo.

A carne gélida de meu rosto estava em cinzas e ardia como se eu estivesse emerso em chamas, calmamente me aproximei de algum ponto de luz solar. Com a mão direita aos poucos fui avançando, quando a força do astro me tocou, em segundos, minha mão direita não era nada mais que cinzas. Eu iria até o fim, precisava saber mais sobre meu recém descoberto ponto fraco, suportei a dor. Após tirar a mão do raio de luz, observei que não doía mais, mas, eu estava sem a mão. Um pedaço de carne carbonizada, apenas isso. Entendi que só poderia estar livre, para ser invencível ao crepuscúlo. Era uma sensação nova. Reinaria em Chayman, a cidade em que o inverno nunca acaba. Eu seria um Lorde vampiro.
Essa era uma sensação boa.

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